sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Aposentado na Paraíba apela a água imprópria quando o dinheiro acaba

Ele retira água de um açude onde desagua um esgoto.
Estado tem 15 cidades com fornecimento de água em colapso.

Taiguara RangelDo G1 PB
Sem abastecimento, aposentado tem que carregar água de açude para casa (Foto: Taiguara Rangel/G1)Sem abastecimento, aposentado tem que carregar água de açude para casa (Foto: Taiguara Rangel/G1)
"A gente vive na promessa de chegar água amanhã. E esse amanhã nunca chega", diz o aposentado Renato Avelino de Souza, de 67 anos, um dos 18 mil moradores de Remígio, cidade no Agreste paraibano que enfrenta a falta de abastecimento. Quando a água e o dinheiro acabam, a saída é utilizar água imprópria para consumo de um pequeno açude particular próximo à sua casa, onde também desagua uma rede de esgoto da cidade.
"A água é ruim, mas a gente não tem dinheiro para comprar outra. Quando tiro da aposentadoria, compro um tonel de 500 litros por R$ 50 e só dura uma semana para quatro pessoas lá em casa", explica ele. O custeio do consumo de água afeta em média R$ 200 mensais dos R$ 724 que ele recebe de aposentadoria. Quando a água acaba e os R$ 200 já foram gastos, ele apela para o açude. O aposentado afirma que até o momento ninguém de sua família ficou doente por consumir essa água.
Ele é um dos 167 mil paraibanos de 15 municípios que estão com o abastecimento de água em colapso, de acordo com a Defesa Civil. O estado ainda tem 13 municípios com sistemas em alerta, cujos açudes estão com menos de 20% da capacidade, e 29 em racionamento, com abastecimento funcionando abaixo da totalidade, dentro de um cronograma preestabelecido de abertura e fechamento de comportas.
paraíba (Foto: Taiguara Rangel/G1)
No distrito de Barra de São Miguel, em Esperança, município com 32 mil habitantes também no Agreste e que também convive com o racionamento de água, uma família de seis pessoas subsiste da agricultura familiar. Segundo a dona de casa Patrícia Targino, em média a cada duas semanas é comprado um "pipa" para o abastecimento da cisterna. O carro de mil litros custa de R$ 150 a R$ 200 na cidade.
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Ficha - especial seca - Remígio (PB) (Foto: G1)
Como o aposentado de Remígio, o agricultor José Fernandes Targino, de 64 anos, explica que a água, seja de boa ou má qualidade, precisa ser suficiente para uso doméstico, para beber e para os animais – pouco mais de 10 vacas e bois, algumas galinhas e um cachorro.
"Dependendo do açude onde eles buscam a água, pode vir meio barrenta, mas é o jeito comprar pelo preço que oferecer, porque não tem ninguém ajudando a gente. Essa água é para tudo, toda a família e os bichos. Graças a Deus não aconteceu nada ainda, mas, se alguém adoecer por causa da água, a gente nem sabe o que fazer, porque precisa ir até Campina Grande receber atendimento", contou o agricultor.
O açude de Vaca Brava, que abastece ambas as cidades de Esperança e Remígio, está com apenas 8% do seu volume máximo. Por isso, segundo informou a assessoria de comunicação da Companhia de Água e Esgotos da Paraíba (Cagepa), as duas cidades passam por racionamento. Em Remígio, segundo a Cagepa, o abastecimento ocorre somente três dias por semana, e em Esperança, em quatro dias. Entretanto, a Defesa Civil do estado informou que ambas as cidades estão desabastecidas e apenas os carros-pipa atendem a população. Os moradores de Esperança são atendidos por quatro carros-pipa do Exército Brasileiro, enquanto os habitantes de Remígio contam com seis pipeiros.
Animais mortos vítimas da seca no sertão paraibano, na rodovia BR 230 (Foto: Diogo Almeida/G1)Animais mortos vítimas da seca no sertão paraibano, na rodovia BR 230 (Foto: Diogo Almeida/G1)
A Agência Executiva de Gestão das Águas da Paraíba informou que desde 2012 todo o semiárido paraibano – Cariri, Curimataú e Sertão – além de parte do Agreste, sofre com a estiagem. Com chuvas irregulares este ano, apesar de próximo da média histórica registrada pelo órgão, não houve recarga suficiente dos açudes, e 28 dos 123 mananciais continuam em situação crítica (com menos de 5% da capacidade).
O ano de 2014 registrou leve melhora no índice de chuvas na região. "Em 2012 e 2013 foram chuvas abaixo da média histórica. Em 2014, a previsão em boa parte do estado é ficar bem próximo da média, mas a situação é tão deficitária que não chegou a recuperar [a recarga dos açudes]. Principalmente no Semiárido, apenas a região da Mata manteve a média. As chuvas irregulares são o principal problema", explica a meteorologista da Aesa, Carmen Becker.
Carros-pipa
O Governo da Paraíba suspendeu o programa com carros-pipa. Segundo o gerente executivo da Defesa Civil estadual, coronel Cícero Hermínio, o governo federal não mandou mais recursos, impedido contratações. "Em alguns municípios temos chuvas acima da média, mas, por incrível que pareça, não juntou água [nos açudes]. Os recursos hídricos de superfície estão muito aquém. Vai haver reunião dos governos do Nordeste para mostrar a situação atual e apresentar propostas estruturais. O Ministério da Integração ainda vai convocar [a reunião]. Vamos mostrar o quadro da Paraíba e levar nossas propostas", explicou o gerente.
No Nordeste, apenas os governos da Paraíba e do Piauí não contratam carros-pipa atualmente.
O Exército informou que usa 1.023 carros em 156 municípios paraibanos, dentro da Operação Carro-Pipa do governo federal. A Paraíba é o segundo estado mais atendido pelo programa no Nordeste, atrás apenas da Bahia (157 cidades).
O Ministério da Integração Nacional informou, por meio da assessoria de comunicação, que a operação "segue em pleno andamento na Paraíba e nos demais estados do semiárido", atendendo mais de 410 mil pessoas.
"Ressalta-se que a operação federal pode ser ampliada na Paraíba e nos demais estados do semiárido. Para isso, os municípios ainda não contemplados podem solicitar, em qualquer tempo, a sua inclusão à Secretaria Nacional de Proteção e Defesa Civil, do Ministério da Integração Nacional. Todos os pedidos são encaminhados para o Exército Brasileiro, responsável por avaliar as necessidades e cadastrar os municípios", conclui a nota.
Não houve comentário específico sobre a falta de repasses federais alegada pela Defesa Civil do estado.
Distribução 
A Prefeitura de Remígio informou que implantou um calendário de abastecimento d'água semanal na cidade. A distribuição é feita por meio de seis carros-pipa, e a quantidade de água para cada residência é discutida entre as lideranças comunitárias e moradores no momento da distribuição. O problema na zona rural ocorre desde janeiro de 2013 e na zona urbana começou em julho deste ano.
Segundo Antônio Júnior, o abastecimento na cidade está comprometido por causa do esvaziamento do reservatório de Vaca Brava. A barragem de Camará, em Alagoa Grande, atualmente em reconstrução, é apontada pela prefeitura como uma outra ação que deve melhorar o abastecimento d'água na cidade. O secretário de Comunicação e Eventos de Remígio, Antônio Júnior, explicou que, para atenuar o problema, a prefeitura tem investido na perfuração de dez poços na área urbana em parceria com o governo do Estado, e para a zona rural o poder público já construiu, desde 2013, cerca de 200 pequenos açudes e barreiros para captar as águas da chuva.
Ficha - especial seca - Esperança (PB) (Foto: G1)
Já em Esperança, o secretário municipal de Agricultura, José Adeilton, afirmou que há mais de três meses a prefeitura da cidade vem custeando cinco carros-pipa por semana para garantir água à população, estimada em 30 mil habitantes. Na área urbana, os três chafarizes são abastecidos com a água dos carros-pipa, e na zona rural as cisternas são reabastecidas pela prefeitura. A ajuda vinda do Exército, segundo ele, foi reduzida de cinco para três carros-pipa devido ao racionamento na barragem de Boqueirão.
A Prefeitura de Esperança adquiriu máquinário para a limpeza dos 12 barreiros que podem receber água das chuvas no futuro. Dependente do reservatório de Vaca Braca, a cidade de Esperança também deve ser beneficiada com a inauguração da barragem de Camará, localizada em Alagoa Grande.
Prejuízo para a agricultura
Segundo o presidente da Federação da Agricultura e Pecuária do Estado da Paraíba (FAEPA-PB), Mário Borba, não há estimativa do prejuízo causado pela seca. Ele ressaltou que "a safra de grãos já é insignificante e se tornou ainda pior nos últimos anos". "Em termos de valores não tenho números, mas já estamos trabalhando no vermelho desde 2012 porque a produção de grãos da Paraíba é apenas familiar e de subsistência", diz.
São 15 municípios com abastecimento de água em colapso, 13 estão em alerta, com sistemas de abastecimento a menos de 20% da capacidade e ainda há 19 cidades também enfrentando racionamento.

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