quarta-feira, 18 de junho de 2014

Famílias continuam com lembranças das vítimas



Matéria do Jornal da Paraíba

Famílias continuam com lembranças das vítimas

Mecânico guarda ferramentas do pai, que morreu arrastado pelas águas da barragem de Camará em 2004.

Francisco França
José Pedro Filho conseguiu resgatar as ferramentas usadas por seu pai e deu a elas um lugar especial em sua oficina
Na casa do mecânico José Pedro Filho, as lembranças do pai estão por todos os cantos. As ferramentas usadas pelo aposentado José Pedro Soares, que morreu arrastado pelas águas de Camará no ano de 2004, agora têm lugar especial na oficina do filho, que mora na parte alta de Alagoa Grande, município mais atingido pelo rompimento da barragem. Sempre que chega o mês de junho, o mecânico fica cabisbaixo e pensativo.
A última conversa entre pai e filho aconteceu na tarde de 17 de junho de 2004, horas antes da tragédia. O mecânico contou que encontrou o pai em um bar na parte baixa da cidade. “Ele estava feliz, conversamos bastante, até parece que era uma despedida”, afirmou.
Por volta das 21h, quando a barragem rompeu e a água invadiu a cidade, o aposentado estava em casa e se recusou a sair quando vizinhos tentaram resgatá-lo. “Meu pai acreditava que nada de ruim iria ocorrer, queria proteger os móveis, mas acabou perdendo a vida”, destacou. O aposentado tinha 70 anos.
No desespero, o mecânico tentou entrar na casa na esperança de salvar o pai, mas foi impedido por populares. “A pior cena para mim foi quando vi o corpo dele sendo arrastado pelas águas, não consigo tirar isso da memória”, disse Pedro Filho, desconsolado. A esposa de Pedro disse que muitas vezes ele fica triste e calado olhando as fotos do pai. O corpo do aposentado foi encontrado no dia seguinte, a 40 quilômetros do município de Alagoa Grande.
Tomado pela dor, o mecânico foi à casa do pai, totalmente destruída, para pegar os pertences do pai, mas só conseguiu a caixa de ferramentas e um banco feito de ferro. O aposentado também era mecânico, trabalhava na única oficina metalúrgica da cidade, conhecida como oficina do Alemão, também destruída. “Foi ele quem me ensinou o ofício”, contou Pedro, demonstrando orgulho. Ele disse que, pela morte do pai, recebeu R$ 7 mil, quatro anos depois da tragédia de Camará.
Com o dinheiro, comprou uma moto para levar as netas para a escola. A casa onde o pai morou foi reconstruída pelo governo e alugada pela família.
O aposentado José Soares foi uma das cinco pessoas que morreram em consequência do rompimento da barragem de Camará. Outra vítima foi o músico Wellington Sobral, de 20 anos, que morreu quando tentava salvar um botijão. Ele teve o corpo arrastado violentamente pelas águas de Camará.
A mãe do jovem não aguentou a tristeza e decidiu ir embora de Alagoa Grande. Atualmente vive no Rio de Janeiro. Uma aposentada de 83 anos, que se recusou a sair de casa, se tornou a terceira vítima de Camará. As outras duas pessoas que completam a lista dos mortos moravam no município de Mulungu, onde a destruição também foi forte.
O rompimento da barragem de Camará provocou a destruição total e parcial de 27 ruas em Alagoa Grande. Um estudo feito por estudantes da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) mostrou que em algumas casas o nível da água chegou a 20 metros. A correnteza chegou ao Centro da cidade pela rua do Rio, inundando o Banco do Brasil e estabelecimentos comerciais da área. O desespero dos idosos que viviam no abrigo da cidade de Alagoa Grande será contado amanhã, na quarta reportagem da série sobre os 10 anos da tragédia de Camará.

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