Antes do casamento, casal de idosos namorou por um ano.
Segundo psicólogo, noivo nunca teve relações sexuais.
A rotina dos recém-casados Maria do Rosário Dias Souza e José Benedito
Inácio poderia ser normal se eles não vivessem em um abrigo em Mogi das
Cruzes (SP). Com 71 anos, dona Rosária - como gosta de ser chamada -
chegou à entidade há três anos. Viúva e muito vaidosa, ela não perde a
chance de contar como foi o início do relacionamento. “Eu já vivia aqui
quando ele chegou. Ele correu os olhos em mim e eu fechei a cara. Depois
começamos a conversar e ele fez o pedido. Ai falei 'sai fora rapaz'.
Disse não! Mas depois pensei e aceitei”, lembra.
Apesar da timidez do noivo e braveza da noiva, o namoro de um ano no
abrigo ficou sério. Em uma semana tudo foi preparado para o casamento. A
cerimônia realizada no final de maio foi feita na capela da entidade
São Vicente de Paulo e teve direito a tudo: bênção de padre, vestido de
noiva, decoração com muitas flores e festa repleta de doces, salgadinhos
e bebidas. Como nenhum dos noivos tem família, a cerimônia foi
acompanhada por funcionários e idosos, que são moradores do abrigo.
Apesar de ser um senhor de 65 anos, Inácio nunca tinha se relacionado
intimamente com uma mulher. “Quando fui casar fiquei nervoso, nunca
casei. Quando cheguei aqui nem pensava que isso ia acontecer. Ai quando a
vi mudei de ideia. Estou feliz. Gostei dela desde que a vi e ela gostou
de mim. Gostei da beleza dela”, diz. “Casei agora pela primeira vez e
quero ficar para o resto da vida junto. Um cuidando do outro”, conta
Inácio.
Amor entre casal começou há um ano e acabou em casamento em abrigo de
Mogi das Cruzes (Foto: Carolina Paes/G1)
Amor entre casal começou há um ano e acabou em
casamento em abrigo (Foto: Carolina Paes/G1)
Segundo o psicólogo da casa, Wagner Fujarra, antes da cerimônia o noivo
teria lhe contado que nunca teve tempo para pensar em casamento ou em
relacionamentos. Ele disse que o motivo foi o trabalho pesado de
lavrador e na construção civil. “Ele me abordou e disse que gostaria
muito de casar, mas que nunca teve um contato físico com uma mulher, de
relação sexual mesmo. Para ele seria uma coisa nova e ele até pediu um
apoio perguntando como seria isso. Se seria uma coisa que o deixaria
mais animado ou não. Ai expliquei para ele como é todo esse processo da
relação sexual e falei do respeito”, diz.
Apesar da idade avançada, Fujarra acredita que o casal ainda tenha
condições de ter relações sexuais. “A dona Rosária já vem de um outro
casamento. É viúva e talvez possa estar ensinando coisas que ele não
está acostumado. Acredito que eles tenham condições físicas sim de ter
relações sexuais. Aqui tem alguns idosos com 84 anos bem ativos”,
explica.
(Foto: Irani Lima/ Arquivo Pessoal)
Quebrando barreiras
Para que tudo desse certo foi preciso ainda quebrar algumas regras na
casa, que há 29 anos cuida de idosos em situação de risco. O espaço, que
é mantido pela Igreja Católica e tem subvenção da Prefeitura, tem hoje
31 pessoas abrigadas: 18 mulheres e 13 homens.
Para a atual diretora, Irani Lima, o relacionamento entre Rosária e
Inácio é um divisor de águas para o espaço. “Até o momento não era
permitido relacionamento entre homem e mulher aqui, mesmo sendo um
abrigo para os dois sexos. Há alguns meses, qualquer relação aqui era
quase que condenada, mas a nova gestão quebrou isso", explica.
A coordenadora conta que a casa foi notando a relação de carinho e
preocupação entre o casal de idosos e que isso fez com que todos os
funcionários apoiassem o namoro. “Acho que a casa tem que incentivar o
afeto e o amor. A gente acredita nesse sentimento. Achamos bonito o
cuidado que nasceu entre eles. O amor não tem idade. É para vida
inteira. Não é porque envelheceu que deixou de amar. O afeto faz parte
da vida da gente do nascer até o morrer”, diz Irani.
Casal divide quarto em abrigo em Mogi das Cruzes; casamento foi no dia
31 de maio (Foto: Carolina Paes/G1)
Casal divide quarto em abrigo em Mogi das Cruzes (Foto: Carolina
Paes/G1)
O casamento dos idosos foi no religioso e com direito a tudo que se tem
em uma tradicional cerimônia: vestido de noiva, grinalda, bolo, padre,
aliança, flores, e até sapato apertado. Os padrinhos foram os diretores e
os coordenadores da casa e tudo para festa foi doação. Mesmo assim nada
perdeu o valor para Rosária. “O casamento foi maravilhoso. Foi igual um
sonho. Foi lindo, lindo, lindo. Tive vestido de noiva lindo, eu nem
esperava.”, diz a noiva.
Quem teve papel importante na cerimônia foi o psicólogo, que fez as
vezes do “pai” da noiva e entrou com ela na igreja. “ Ela me reconheceu
como alguém fundamental para ela e eu senti que vale a pena lutar por
eles. Fiquei bem feliz com o convite”.
Para Fujarra, psicologicamente e socialmente, esse relacionamento pode
mudar a vida do casal ajudando na autoestima de cada um. “Essa relação é
importante para que o idoso perceba que ele tem uma função. Muita gente
acha que o abrigo é o fim da vida, aqui você pode viver muito mais que
um idoso que vive lá fora. Aqui eles querem lutar pela parte social
deles. Entender que sempre há vida e mostrar que ninguém está aqui
esperando a morte. Esse casamento fez renascer o respeito, a união e ao
amor. O cuidado que um tem com outro é uma coisa bonita de se ver”,
ressalta.
Sobre outros possíveis casamentos, a coordenadora afirma que agora
existem regras na casa. “Tem que ter um ano de namoro e precisamos
perceber que há afeto entre o casal sem brigas. Ai está liberado. Que
venham mais casamento!”, conta aos risos Irani.
Vida de casados
Quem casa precisa de um cantinho especial. Para isso, a instituição
adaptou um dos quartos com uma cama de casal. Mas como em outros
relacionamentos, Rosária e Inácio não escapam de pequenas discussões.
Afinal, ela é sempre muito mandona, faladeira e brava. Enquanto que
Inácio é um senhor tímido, obediente e sempre carinhoso com a mulher.
Ainda assim, Inácio não deixa de beijar a esposa e de dirigir a ela um
olhar apaixonado. “Não foi difícil de conquistar não. Eu cuido dela e
ela de mim. A vida de casado é melhor que a de solteiro, né?! “, diz.
Inácio ajuda a mulher a andar pelo abrigo, em Mogi das Cruzes (Foto:
Carolina Paes/G1)
Inácio ajuda a mulher a andar pelo abrigo
(Foto: Carolina Paes/G1)
Pelos corredores da casa um ajuda mesmo o outro. Aliás Rosária é quem
tem mais dificuldades. Para se locomover usa um andador. “Ficamos juntos
desde a hora que levantamos até a hora de dormir. Casei para ficar
junto. Não gosto dessa história de cada um de um lado. Ele tem que ficar
onde eu estou e conversar comigo”, afirma sorridente.
Sobre o amor na terceira idade, Rosária ainda revela que disposição não
falta. “É diferente do outro casamento. Esse de agora é mais carinhoso e
me dá mais atenção. O outro não era assim. Só trabalhava”, conta. “Eu
nem pensava em casar de novo. Estou feliz e já dei bastante beijo na
boca. É bom!”
FONTE:
Do G1 de Mogi das Cruzes e Suzano E FOLHA DE ESPERANÇA
Nenhum comentário:
Postar um comentário