Tragédia foi ocasionada pelo rompimento de uma barragem.
Cinco pessoas morreram e três mil ficaram desabrigadas em 2004
Camará. A palavra que se refere à planta nativa brasileira ganhou outra
referência para mais de 28 mil habitantes da cidade de Alagoa Grande, a
119 km de João Pessoa. Para eles, Camará é sinônimo de desespero e
morte, desde que a barragem rompeu no dia 17 de junho de 2004 e lançou
em torno de 17 milhões de metros cúbicos de água que percorreram,
aproximadamente, 25 quilômetros até invadir as ruas da parte baixa de
Alagoa Grande, Areia, Alagoa Nova e Mulungu.
Na memória dos moradores do Brejo ficou o registro e a angústia de três mil desabrigados, segundo dados da Prefeitura de Alagoa Grande, que ainda tentam esquecer a noite da tragédia, as cinco mortes e parte da história de cada um destruída pela força das águas. “Foi de repente. A gente percebeu que não era uma enchente normal. A ponte começou a encher d'água até que avisaram que a barragem de Camará tinha estourado”, relembrou a dona de casa Leonita Alencar, de 61 anos, que mora ao lado da ponte por onde passa o Rio Mamanguape.
A força das águas levou as paredes da casa, móveis, objetos, roupas, mas nenhuma perda doeu tanto quanto a das fotos que Leonita Alencar guardava de fases importantes da vida como juventude, casamento e nascimento dos quatro filhos. “Pedi foto dos meus 15 anos, do nosso casamento em 1972 e de vários momentos da nossa vida. Por sorte, consegui recuperar as fotos do casamento e dos 15 anos. No ano passado ganhei no meu aniversário uma foto que minha irmã conseguiu revelar”, frisou.
Em outro ponto da cidade, o professor de física da Universidade Federal de Campina Grande, Rafael de Lima Rodrigues, descia a 'Ladeira do Colégio das Freiras' para avisar aos moradores das ruas próximas ao rio Mamanguape sobre a notícia ouvida na Cultura FM do rompimento da barragem de Camará.
“Realmente, a água veio destruindo tudo nessa parte baixa da cidade. Eu saí avisando de rua em rua sobre o rompimento da barragem. Algumas famílias acreditaram e conseguiram até fazer a mudança. Outras, ignoraram. No máximo, colocaram os móveis em cima de tamboretes e cadeiras pensando que a água era pouca. Na última vez que desci, vi carros sendo cobertos e uma correnteza muito forte. Triste ver que dez anos depois ainda tem gente esperando para receber indenização”, disse.
Correrias, saques e escuridão
Em aproximadamente 25 km de trajeto da barragem de Camará até o Centro de Alagoa Grande, a água saiu arrastando árvores, postes de energia elétrica e objetos. A professora Fátima Barbosa conta que estava deitada para dormir quando o irmão bateu na janela avisando de uma 'enchente'. “Eu ignorei porque pensei que fosse resultado da chuva fraca que tava caindo, mas quando abri a porta vi muita gente correndo, gritando desesperada e eu fiquei atordoada. Depois do choque inicial, sair daqui foi a única coisa que a gente pensou em fazer”, contou.
Alojada em cima de uma barreira, após a casa da mãe também ficar alagada, Fátima Barbosa contou que o marido e o pai ficaram na Rua Professor Antônio Benvindo com água na cintura por conta dos saques. “Meu marido e meu pai permaneceram na rua porque estavam acontecendo muitos saques. Outras pessoas se aproveitaram da situação para ir para o local receber doações de quem realmente precisava”, lembrou.
As cenas do muro sendo derrubado, das pessoas correndo desesperadas e a angústia de não saber quem tinha ficado no interior das casas quando foram invadidas pela água não se comparam, segundo Fátima Barbosa, a cena em que o filho chorava. “O sufoco que a gente passou para conseguir as coisas... e perder tudo rapidamente”, desabafou. A cena que não vai sair da minha cabeça é a do meu filho que dizia que estava com fome e eu não tinha nada para dar a ele. Eu vou viver cem anos e não vou esquecer aquela noite de forma nenhuma.
“O que vivi naquela noite foi aperreio e agonia. Ainda hoje me lembro do que passei. A água destruiu a porta e levou foi tudo. Carregou panela, bojão, roupas. Só fiquei com um colchão porque na agonia eu coloquei ele em cima da parede”, disse. Católica, Maria Monteiro teve que comprar novamente as imagens dos santos que mantém relação de devoção porque as imagens anteriores foram levadas pelas águas.
estão entre vítimas da barragem de Camará
(Foto: Wagner Lima/G1 PB)
A filha de Maria Monteiro, a agricultora, Severina dos Santos Sales
Oscar da Silva, 57, ao se levantar às pressas da cama, conta que
engalhou o brinco no “mosquiteiro” e teve a orelha rasgada. “Os troços
já 'tavam' descendo tudo pelo buraco na parede. Eu pensei: 'Eu tirando
minha mãe e minha filha, abaixo de Deus o diabo pode levar'. Aí fiz
carreira só de camisola. Depois eu condenei essa camisola. Foram anos
para construir as coisas e quinze minutos para o satanás acabar.
A gente não era dono da casa, mas eu achei que a gente ia receber uma casa, mas não. Os donos bateram em cima. Só recebi R$ 3.120 de indenização. Eu não tinha só R$ 3.120 na minha casa, meu filho. Eu escapei só com a vida”, frisou. A água chegou a um metro e oitenta centímetros. Ao retornarem para as duas casas, Severina abriu uma porta entre as duas moradias para ter acesso mais rápido para socorrer a mãe.
Na memória dos moradores do Brejo ficou o registro e a angústia de três mil desabrigados, segundo dados da Prefeitura de Alagoa Grande, que ainda tentam esquecer a noite da tragédia, as cinco mortes e parte da história de cada um destruída pela força das águas. “Foi de repente. A gente percebeu que não era uma enchente normal. A ponte começou a encher d'água até que avisaram que a barragem de Camará tinha estourado”, relembrou a dona de casa Leonita Alencar, de 61 anos, que mora ao lado da ponte por onde passa o Rio Mamanguape.
Leonita Alencar, 61 anos, vítima da tragédia da
barragem de Camará, em Alagoa Grande
(Foto: Wagner Lima/G1 PB)
A noite de Leonita Alencar, o marido e a filha caçula foi às margens da
rodovia em frente à casa da família na Rua Ernesto Cavalcante. “Chegou a
um metro e meio nas paredes da casa". E a cada minuto observando a
fúria provocada pela intensidade e volume das águas, Leonita diz ter
sentido a sensação de que tudo se acabaria ali. “Perdemos tudo e senti
muito medo. Tive a sensação de que o mundo estava se acabando. Ainda
hoje tenho trauma: não posso ver muita água que fico nervosa”, contou.barragem de Camará, em Alagoa Grande
(Foto: Wagner Lima/G1 PB)
A força das águas levou as paredes da casa, móveis, objetos, roupas, mas nenhuma perda doeu tanto quanto a das fotos que Leonita Alencar guardava de fases importantes da vida como juventude, casamento e nascimento dos quatro filhos. “Pedi foto dos meus 15 anos, do nosso casamento em 1972 e de vários momentos da nossa vida. Por sorte, consegui recuperar as fotos do casamento e dos 15 anos. No ano passado ganhei no meu aniversário uma foto que minha irmã conseguiu revelar”, frisou.
Em outro ponto da cidade, o professor de física da Universidade Federal de Campina Grande, Rafael de Lima Rodrigues, descia a 'Ladeira do Colégio das Freiras' para avisar aos moradores das ruas próximas ao rio Mamanguape sobre a notícia ouvida na Cultura FM do rompimento da barragem de Camará.
“Realmente, a água veio destruindo tudo nessa parte baixa da cidade. Eu saí avisando de rua em rua sobre o rompimento da barragem. Algumas famílias acreditaram e conseguiram até fazer a mudança. Outras, ignoraram. No máximo, colocaram os móveis em cima de tamboretes e cadeiras pensando que a água era pouca. Na última vez que desci, vi carros sendo cobertos e uma correnteza muito forte. Triste ver que dez anos depois ainda tem gente esperando para receber indenização”, disse.
Correrias, saques e escuridão
Em aproximadamente 25 km de trajeto da barragem de Camará até o Centro de Alagoa Grande, a água saiu arrastando árvores, postes de energia elétrica e objetos. A professora Fátima Barbosa conta que estava deitada para dormir quando o irmão bateu na janela avisando de uma 'enchente'. “Eu ignorei porque pensei que fosse resultado da chuva fraca que tava caindo, mas quando abri a porta vi muita gente correndo, gritando desesperada e eu fiquei atordoada. Depois do choque inicial, sair daqui foi a única coisa que a gente pensou em fazer”, contou.
Fátima Barbosa mostra até onde a água subiu
naquele ano (Foto: Wagner Lima/G1 PB)
Fátima Barbosa explicou que faltou energia duas vezes naquela noite de
17 de junho de 2004 e a ajuda demorou muito para a urgência que existia.
“A ajuda não chegou tão rápido quanto a gente precisava. Ajuda mesmo só
chegou no outro dia à tarde. Tinha muitos curiosos, isso é verdade, mas
a ajuda foi chegando aos poucos... umas doze horas depois. A ajuda
inicial foram as nossas famílias e amigos uns ajudando aos outros”,
disse.naquele ano (Foto: Wagner Lima/G1 PB)
Alojada em cima de uma barreira, após a casa da mãe também ficar alagada, Fátima Barbosa contou que o marido e o pai ficaram na Rua Professor Antônio Benvindo com água na cintura por conta dos saques. “Meu marido e meu pai permaneceram na rua porque estavam acontecendo muitos saques. Outras pessoas se aproveitaram da situação para ir para o local receber doações de quem realmente precisava”, lembrou.
As cenas do muro sendo derrubado, das pessoas correndo desesperadas e a angústia de não saber quem tinha ficado no interior das casas quando foram invadidas pela água não se comparam, segundo Fátima Barbosa, a cena em que o filho chorava. “O sufoco que a gente passou para conseguir as coisas... e perder tudo rapidamente”, desabafou. A cena que não vai sair da minha cabeça é a do meu filho que dizia que estava com fome e eu não tinha nada para dar a ele. Eu vou viver cem anos e não vou esquecer aquela noite de forma nenhuma.
Maria Monteiro da Silva comprou novas imagens dos santos levados pelas águas (Foto: Wagner Lima/G1 PB)
Na Rua da Glória, uma das mais atingidas, a idosa Maria Monteiro da
Silva, de 76 anos, moradora da casa de nº 605, ao tentar abrir a porta
da cozinha e sentir a pressão da água que começava a tomar conta da
residência de apenas três cômodos, correu para a rua. Na fuga da força
das águas, caiu e quebrou a clavícula.“O que vivi naquela noite foi aperreio e agonia. Ainda hoje me lembro do que passei. A água destruiu a porta e levou foi tudo. Carregou panela, bojão, roupas. Só fiquei com um colchão porque na agonia eu coloquei ele em cima da parede”, disse. Católica, Maria Monteiro teve que comprar novamente as imagens dos santos que mantém relação de devoção porque as imagens anteriores foram levadas pelas águas.
estão entre vítimas da barragem de Camará
(Foto: Wagner Lima/G1 PB)
A gente não era dono da casa, mas eu achei que a gente ia receber uma casa, mas não. Os donos bateram em cima. Só recebi R$ 3.120 de indenização. Eu não tinha só R$ 3.120 na minha casa, meu filho. Eu escapei só com a vida”, frisou. A água chegou a um metro e oitenta centímetros. Ao retornarem para as duas casas, Severina abriu uma porta entre as duas moradias para ter acesso mais rápido para socorrer a mãe.
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