quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

A voz de todo o Nordeste

JP online por
lustração: William Medeiros
Da estiagem a cheia: obra do Rei do Baião trazia representações do Nordeste sob diversos aspectos

Assim como a imensurável associação do consciente coletivo que liga o Nordeste brasileiro com o cenário desolador da seca e fome, o cancioneiro imortalizado pela voz e sanfona de Luiz Gonzaga (1912-1989) concretizou o lamento – mas também a esperança – do sertanejo que é, antes de tudo, um forte.
Atualmente, visto tanto nas redes sociais como nos noticiários, a escassez de água, a fome, a terra rachada e o gado morto se deteriorando sob o sol escaldante não são meras caricaturas do clichê que pintam do Nordeste, mostrando uma realidade que fazia Gonzagão chorar no palco ou ter esperança que um dia tudo seja verdejante de uma nova situação sociopolítica vigente.
“Ele era a voz do Nordeste em todos os aspectos”, afirma o pesquisador Orlando Camboim acerca do artista que, se vivo, faria 100 anos hoje. “Gonzaga foi um geógrafo caboclo, um cientista matuto”, conceitua, lembrando que o pernambucano de Exu mostrava tanto a desgraça como em ‘Asa Branca’, como o outro lado com canções como ‘A volta da Asa Branca’.
“Ele enveredou por esta linha de protesto em 1953”, aponta José Nobre de Medeiros, criador e diretor do Museu Fonográfico de Luiz Gonzaga, em Campina Grande.
Entre as músicas mais emblemáticas na lista de Nobre, ‘Vozes da seca’ encabeça por mostrar “o desprezo dos poderes constituídos em relação ao Nordeste”.
Também lembrada por Camboim, a canção composta a quatro mãos com José Dantas que fala que a esmola “mata de vergonha ou vicia o cidadão” foi a primeira de protesto do músico que causou grande repercussão nacional. “Um parlamentar falou que ‘Vozes da seca’ valia por mais de mil discursos na tribuna do Congresso”.
“Luiz Gonzaga falava de tudo um pouco”, conta o juiz e pesquisador Onaldo Queiroga, criador do Troféu Asa Branca. “Sua obra vai desde a estiagem até a cheia”.
Assim como Camboim, Queiroga frisa que uma de suas músicas preferidas do ‘Rei do Baião’ era ‘A triste partida’, de Patativa do Assaré. Gonzaga chorava no palco quando cantava sobre a trajetória dos retirantes.
POLÍTICO SEM MANDATO
Para Onaldo Queiroga, Gonzagão era um “político sem mandato, que defendia o sertanejo na estiagem, realizando shows com os amigos para angariar tributos para os irmãos nordestinos em condições desfavoráveis, principalmente no eixo da sua região, Exu”.
O próprio músico lembrou em um depoimento de uma cena que marcou profundamente o seu peito: quando ele viu pela primeira vez uma distribuição de alimentos em um lugarejo chamado Taboquinha, onde tinha propriedade, uma senhora implorava por mais comida a quem estava organizando a partilha. “Eu tenho dez filhos e graças a Deus já morreram três”, esbravejava a senhora. Depois daquele momento, em que se retirou aos prantos, o ‘Velho Lua’ nunca mais teve coragem de ver as distribuições.
“Ele já fez inúmeras campanhas de doação. Costumo dizer que Gonzaga era um socialista na prática”, define o pesquisador Orlando Camboim, lembrando que Luiz Gonzaga não só alimentava a barriga do sertanejo sem esperar os políticos, mas também contribuía na expansão cultural do seu legado, doando até a sanfona que estava usando para quem se interessasse. Chegou a doar cerca de 300 instrumentos.
“Valeu a pena!”, chegou a declarar a majestade do baião depois de soltar sua voz de aboio na interpretação de ‘Terra, vida e esperança’, composta por Jurandi da Feira. “Dá gosto ser o cantor do seu povo”.

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