Ronaldo no lançamento de 'Eu nas Entrelinhas',
em 2004 (Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)
Paralela à vida política, Ronaldo Cunha Lima consolidou uma carreira
literária. O Poeta, como se orgulhava de ser conhecido, escreveu vários
livros e passou a ocupar a cadeira de número 14 da Academia Paraibana de
Letras (APL) em 11 de março de 1994. O político, advogado, poeta e
escritor morreu neste sábado (7) na casa da família em João Pessoa. Ele lutava contra um câncer no pulmão desde 2011em 2004 (Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)
Ronaldo Cunha Lima escreveu um de seus poemas mais famosos, o Habeas Pinho, em uma situação inusitada em 1955 em Campina Grande. O poema, que virou petição na Justiça, nasceu depois que um grupo de boêmios, que fazia serenata, teve o violão apreendido pela polícia. Foi aí que os músicos recorreram ao advogado recém-formado que logo entrou com uma ação na Justiça para resgatar o instrumento musical. A ação foi escrita em forma de verso e ficou conhecida como Habeas Pinho.
O presidente da Academia Paraibana de Letras, Luiz Gonzaga Rodrigues, relembrou o desfecho do caso. "O juiz Arthur Moura foi quem deu a sentença e os músicos conseguiram o violão de volta. A ação não estava escrita nos termos técnicos, mas o juiz deixou se levar pela poesia do requerimento", disse Gonzaga Rodrigues.
Outra paixão do ex-governador era a poesia do também paraibano Augusto dos Anjos. Ronaldo foi foi um dos maiores divulgadores da poesia do escritor, tanto que em 1988 participou e venceu o programa Sem Limite, da Rede Manchete, que fazia perguntas sobre a vida e obra de Augusto dos Anjos.
O presidente da APL lamenta o fato de Ronaldo Cunha Lima ter enveredado pelo ramo da política. “É uma pena que o fascínio da política tenha exercido grande poder sobre a vocação do poeta”, disse Gonzaga Rodrigues. Mas Nonato Guedes lembrou que a poesia sempre esteve presente na vida de Ronaldo. “Quando ele foi prefeito de Campina Grande, inaugurava obras e colocava placas em versos. A poesia sempre esteve na alma dele e marcou praticamente toda trajetória”, disse o jornalista.
Ronaldo Cunha Lima no lança livro em 2001
(Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)
Dezenas de livros publicados(Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)
Entre os livros de poesia escritos por Ronaldo Cunha Lima estão Poemas de Sala e Quarto (Geração Editorial, 1992), 13 Poemas (Seara Nova, 1993), A Serviço da Poesia (Pen Club do Brasil, 1993), Versos Gramaticais (Massao Ohno, 1994), 50 Canções de Amor e um Poema de Espera (A União, 1997), Livro dos Tercetos (Grafset, 1998), Roteiro Sentimental (Grafset, 2001) e Poesias Forenses (Max Limonad, 2002), Eu nas Entrelinhas (Forma Editorial, 2004) e Velas Enfunadas: Poemas à Beira Mar (Ideia, 2010).
Ronaldo também escreveu livros sobre ciência política, Direito e Sociologia. Entre as obras estão
Estado e Município na Reprodução do Espaço (A União, 1991), Seu Serviço: Volume 1 - Atividade Parlamentar (Senado Federal, 1996), Legislação Eleitoral (Senado Federal, 1997), Discursos de Paraninfo (Independente, 1998) e Livro dos Tercetos: Em Favor da Língua Portuguesa (Senado Federal, 1998).
Petição famosa:
HABEAS PINHO
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca :
O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.
É simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade
De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.
Inexiste entre eles afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida
Sufocando suas próprias dores.
O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,
É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpétua.
Ele nasceu para cantar na rua
E não para ser arquivo de Cartório.
Mande soltá-lo pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite
De suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,
cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado
derramando na rua as suas dôres?
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntando esta petição aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.
Ronaldo Cunha Lima, advogado.
O juiz Arthur Moura sem perder o ponto deu a sentença no mesmo tom:
"Para que eu não carregue
Muito remorso no coração,
Determino que seja entregue,
Ao seu dono, o malfadado violão!“
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