sábado, 7 de julho de 2012

Ronaldo Cunha Lima também é reconhecido como poeta

Do G1 PB
Ronaldo Cunha Lima no lançamento do seu livro 'Eu nas Entrelinhas', em 2004 (Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)Ronaldo no lançamento de 'Eu nas Entrelinhas',
em 2004 (Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)
Paralela à vida política, Ronaldo Cunha Lima consolidou uma carreira literária. O Poeta, como se orgulhava de ser conhecido, escreveu vários livros e passou a ocupar a cadeira de número 14 da Academia Paraibana de Letras (APL) em 11 de março de 1994. O político, advogado, poeta e escritor morreu neste sábado (7) na casa da família em João Pessoa. Ele lutava contra um câncer no pulmão desde 2011
Ronaldo Cunha Lima escreveu um de seus poemas mais famosos, o Habeas Pinho, em uma situação inusitada em 1955 em Campina Grande. O poema, que virou petição na Justiça, nasceu depois que um grupo de boêmios, que fazia serenata, teve o violão apreendido pela polícia. Foi aí que os músicos recorreram ao advogado recém-formado que logo entrou com uma ação na Justiça para resgatar o instrumento musical. A ação foi escrita em forma de verso e ficou conhecida como Habeas Pinho.
O presidente da Academia Paraibana de Letras, Luiz Gonzaga Rodrigues, relembrou o desfecho do caso. "O juiz Arthur Moura foi quem deu a sentença e os músicos conseguiram o violão de volta. A ação não estava escrita nos termos técnicos, mas o juiz deixou se levar pela poesia do requerimento", disse Gonzaga Rodrigues.
De acordo com o jornalista Nonato Guedes, foi aos 10 anos que Ronaldo começou a ensaiar seus próprios versos. “A paixão dele pela poesia surgiu quando ele era criança. Isto porque o avô já era um exímio soletrista”, disse o jornalista. Nonato Guedes é autor do livro “A Fala do Poder - Discursos comentados de governadores da Paraíba”, que também tem uma biografia de Ronaldo Cunha Lima.
Outra paixão do ex-governador era a poesia do também paraibano Augusto dos Anjos. Ronaldo foi foi um dos maiores divulgadores da poesia do escritor, tanto que em 1988 participou e venceu o programa Sem Limite, da Rede Manchete, que fazia perguntas sobre a vida e obra de Augusto dos Anjos.
O presidente da APL lamenta o fato de Ronaldo Cunha Lima ter enveredado pelo ramo da política. “É uma pena que o fascínio da política tenha exercido grande poder sobre a vocação do poeta”, disse Gonzaga Rodrigues. Mas Nonato Guedes lembrou que a poesia sempre esteve presente na vida de Ronaldo. “Quando ele foi prefeito de Campina Grande, inaugurava obras e colocava placas em versos. A poesia sempre esteve na alma dele e marcou praticamente toda trajetória”, disse o jornalista.
Ronaldo Cunha Lima no lança livro em 2001  (Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)Ronaldo Cunha Lima no lança livro em 2001
(Foto: Arquivo/Jornal da Paraíba)
Dezenas de livros publicados
Entre os livros de poesia escritos por Ronaldo Cunha Lima estão Poemas de Sala e Quarto (Geração Editorial, 1992), 13 Poemas (Seara Nova, 1993), A Serviço da Poesia (Pen Club do Brasil, 1993), Versos Gramaticais (Massao Ohno, 1994), 50 Canções de Amor e um Poema de Espera (A União, 1997), Livro dos Tercetos (Grafset, 1998), Roteiro Sentimental (Grafset, 2001) e Poesias Forenses (Max Limonad, 2002), Eu nas Entrelinhas (Forma Editorial, 2004) e Velas Enfunadas: Poemas à Beira Mar (Ideia, 2010).
Ronaldo também escreveu livros sobre ciência política, Direito e Sociologia. Entre as obras estão
Estado e Município na Reprodução do Espaço (A União, 1991), Seu Serviço: Volume 1 - Atividade Parlamentar (Senado Federal, 1996), Legislação Eleitoral (Senado Federal, 1997), Discursos de Paraninfo (Independente, 1998) e Livro dos Tercetos: Em Favor da Língua Portuguesa (Senado Federal, 1998).
Petição famosa:
HABEAS PINHO
Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 2ª Vara desta Comarca :
O instrumento do crime que se arrola
Neste processo de contravenção
Não é faca, revólver nem pistola.

É simplesmente, doutor, um violão.
Um violão, doutor, que na verdade
Não matou nem feriu um cidadão.
Feriu, sim, a sensibilidade

De quem o ouviu vibrar na solidão.
O violão é sempre uma ternura,
Instrumento de amor e de saudade.
Ao crime ele nunca se mistura.

Inexiste entre eles afinidade.
O violão é próprio dos cantores,
Dos menestréis de alma enternecida
Que cantam as mágoas e que povoam a vida

Sufocando suas próprias dores.
O violão é música e é canção,
É sentimento de vida e alegria,
É pureza e néctar que extasia,

É adorno espiritual do coração.
Seu viver, como o nosso, é transitório,
Porém seu destino se perpétua.
Ele nasceu para cantar na rua

E não para ser arquivo de Cartório.
Mande soltá-lo pelo Amor da noite
Que se sente vazia em suas horas,
Para que volte a sentir o terno açoite

De suas cordas leves e sonoras.
Libere o violão, Dr. Juiz,
Em nome da Justiça e do Direito.
É crime, porventura, o infeliz,

cantar as mágoas que lhe enchem o peito?
Será crime, e afinal, será pecado,
Será delito de tão vis horrores,
perambular na rua um desgraçado

derramando na rua as suas dôres?
É o apelo que aqui lhe dirigimos,
Na certeza do seu acolhimento.
Juntando esta petição aos autos nós pedimos
e pedimos também DEFERIMENTO.

Ronaldo Cunha Lima, advogado.
O juiz Arthur Moura sem perder o ponto deu a sentença no mesmo tom:
"Para que eu não carregue
Muito remorso no coração,
Determino que seja entregue,
Ao seu dono, o malfadado violão!“

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